A princípios do século XX, Henry Ford, fundador da multinacional norte-americana de automóveis teve uma disputa com seus sócios, os irmãos John e Horace Dodge. Ford pretendia que parte dos benefícios do Ford T -primeiro automóvel produzido em série- fossem reinvestidos para melhorar a empresa e incrementar os salários. Enquanto os irmãos Dodge defendiam que o único propósito de sua companhia era gerar benefícios para seus acionistas. Depois de anos de litígios, a Corte Suprema de Justiça respaldou os irmãos Dodge, impondo assim o interesse empresarial sobre o interesse coletivo.
Hoje, em pleno século XXI, na era do desenvolvimento sustentável e da urgência meio ambiental, o debate sobre o propósito e impacto das empresas está mais vigente que nunca. Podem as empresas se desentender do entorno onde operam?
Qualquer operação empresarial tem um impacto na sociedade e no meio ambiente. Este impacto pode ser positivo: (geração de empregos de qualidade, sustentabilidade ambiental, inclusão social, desenvolvimento comunitário) ou negativo (contaminação, especulação, exploração infantil, evasão fiscal). Os entornos legais devem tratar igualmente a todas as empresas, independentemente do impacto de sua atividade?
Rumo a uma economia de ‘triplo impacto’
Cada vez mais empresas, P&mes e empreendedores na Ibero-América compreenderam que nenhuma atividade empresarial pode ter sucesso em uma sociedade fracassada, porque as empresas são parte indivisível da sociedade, das comunidades e dos países onde operam. Não se trata só de que uma empresa seja socialmente responsável, que é o minimamente desejável. Trata-se também de que ajude a melhorar seu entorno.
Nos últimos anos cresceu exponencialmente o número de empresas que buscam gerar um triplo impacto: econômico, social e ambiental. Falamos das empresas B, de triplo impacto, empresas com propósito, com atividades tão diversas como banca ética, moda sustentável, comércio justo, economia circular, regeneração de ecossistemas, entre outras. Empresas que entenderam que sua missão vai mais além de engordar uma conta de resultados e que podem ser um motor do desenvolvimento sustentável, sem renunciar por isso à rentabilidade empresarial.
Por que as leis importam?
Apesar do auge destas empresas com propósito, se requer de um marco legal e regulatório que acompanhe sua criação, desenvolvimento e crescimento, para impulsionar um verdadeiro ecossistema empresarial que permita que este tipo de empresas nasça, se desenvolva e possa cruzar fronteiras.
A nível global, a Ibero-América esteve à vanguarda no estabelecimento destes marcos regulatórios favoráveis às empresas de triplo impacto, através da Lei de Sociedades de Benefício e Interesse Coletivo (Lei BIC) que já foi aprovada na Colômbia, Equador, Peru e recentemente no Uruguai, enquanto em outros 4 países da região (Argentina, Chile, Panamá e Brasil) se encontra em debate nos parlamentos.
Trata-se de instrumentos jurídicos especialmente projetados para aquelas empresas que incorporam em seus estatutos um propósito social e ambiental e que, em alguns casos, foram acompanhados de benefícios fiscais, acesso preferencial a financiamento e incentivos na contratação pública.
Talvez uma das coisas mais interessantes destes processos de deliberação nacional é que, em todos os projetos de lei apresentados e em todas as leis aprovadas, vimos consenso político, um ativo muito difícil de encontrar por estes dias em um mundo tão polarizado.
Desde a Secretaria-Geral Ibero-americana, em conjunto com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Centro Internacional de Investigações para o Desenvolvimento do Canadá (IDRC), somos conscientes da importância que o impulso da política pública tem na promoção destas empresas.
Por isso desenvolvemos um ambicioso projeto de pesquisa para fortalecer, mediante a evidência empírica, os ecossistemas de triplo impacto através de uma série de recomendações de política pública para que os governos da região possam propiciar o desenvolvimento deste tipo de negócios.
Nossos países se encontram em uma posição vantajosa para incluir e apoiar estas empresas dentro de um novo pacto social que permita adaptar nossas economias às novas exigências de consumidores, investidores e da cidadania em geral. Uma adaptação que, além disso, é uma muito boa ideia desde o ponto de vista econômico, tal como o demonstra um recente estudo do Foro Econômico Mundial realizado sobre 4.000 empresas, a nível global, o qual determinou que aquelas empresas mais comprometidas com o impacto social e ambiental têm uma rentabilidade 21% superior.
Temos certeza de que a saída da crise provocada pela pandemia deve ir de mãos dadas com empresas mais resilientes, inclusivas e comprometidas, para o quê, será fundamental contar com o aval e impulso regulatório.
Só assim conseguiremos mudar o paradigma empresarial e transitar da busca da melhor empresa do país à melhor empresa PARA o país.