As circunstâncias que estão sendo vividas ao escrever esta tribuna não poderiam ser mais dramáticas. A Espanha superou a China nas perdas humanas, a América-Latina tem casos em todos os seus países e um terço da humanidade está com alguma medida de isolamento devido à pandemia.
A quarentena à qual estou sujeita, desde Madri, isola-me de muitas coisas, mas não do sofrimento que o Coronavírus representa para tantas pessoas, especialmente para aquelas que a estão vivendo na própria pele. Esta é uma crise humanitária primeiro e uma crise econômica depois.
No entanto, não há solução que não responda às duas. Hoje mais que nunca a economia tem um papel crucial no aspecto humano. Por isso, agora que os países começaram a anunciar as suas medidas econômicas, devemos debater e refletir sobre o caminho a seguir.
Para começar, o diagnóstico continua incompleto. A crise econômica do Coronavírus é produto de várias causas, não todas imprevisíveis e não todas relacionadas com o COVID-19.
Em primeiro lugar, temos um choque simultâneo na oferta e na demanda. As quarentenas deixaram em casa tanto trabalhadores como consumidores, gerando um formidável efeito dominó em toda a economia. Por um tempo cuja duração ainda é incerta, a atividade econômica mundial ver-se-á imensamente reduzida, algo que põe em risco a sobrevivência de inúmeros empregos e empresas, assim como a subsistência diária de milhões de trabalhadores autônomos e informais. Desde a Segunda Guerra Mundial não sofremos uma freada econômica tão brusca.
Em consequência, distintos mercados começaram a cair, levando alguns a uma incipiente crise creditícia, particularmente no setor de comércio varejista, no setor de turismo, de matérias primas e nas companhias aéreas.
Como agravante, no tempo das vacas gordas, muitas companhias dedicaram seus ingressos à recompra de suas próprias ações em lugar de investi-los em inovação e em melhoras de sua produtividade. Segundo Bloomberg, 96% do fluxo de caixa das companhias aéreas norte-americanas foi destinada a recomprar suas próprias ações. Agora que estes títulos caíram vertiginosamente, o que fica é a dívida. Por isso, pedem ao Congresso estadunidense um resgate de US$50.000 milhões.
Este é um aspecto que responde a processos anteriores ao vírus. Em retrospectiva, muitos mercados estavam subestimando o risco de seus abonos e ações. Se bem era impossível prever uma pandemia, não era impossível prever, eventualmente, um ano de vacas magras. Outra vez o marco regulatório se mostrou inadequado para controlar os excessos do mercado.
A crise do Coronavírus, portanto, gerou efeitos tanto imprevisíveis (choque exogênico à oferta e à demanda) como previsíveis (correção de preços em alguns mercados financeiros).
Portanto, devemos assumir que a economia que resultará da crise não será a mesma que aquela que entrou. A medida real do êxito das políticas públicas não deve ser que as bolsas voltem às suas cúpulas já insustentáveis, senão o que vier a suceder à economia real.
Até a data, as principais economias do mundo começaram a tomar medidas contundentes, a maioria bem dirigidas às empresas e trabalhadores. Segundo cálculos do The Economist, o pacote médio de estímulo das principais economias do mundo se aproxima a impressionantes 20% de seu PIB.
Neste marco, o que está acontecendo na América-Latina requer especial atenção, afetada duplamente pela crise do Covid-19 e pelo que está a se passar nas economias desenvolvidas, que gerou uma saída de capitais e um fortalecimento do dólar, o que agrava ainda mais a crise da dívida. É claro que a América Latina não tem espaço fiscal para anunciar medidas de 20% do PIB.
A região é particularmente vulnerável a esta crise. Recentemente, vivemos os piores seis anos de crescimento desde a segunda guerra mundial. Os níveis de pobreza se encontram ao redor de 30% da população e outra terceira parte se encontra nos setores vulneráveis que, como seu nome indica, têm muito baixa resiliência aos choques externos. A maioria está imersa no setor informal da economia sem segurança social ou redes de proteção.
Grande parte dos países latino-americanos estão tomando medidas preventivas adequadas para proteger a população do Coronavírus e medidas econômicas heroicas para responder a esta situação. No entanto, sem uma ação decidida dos bancos de desenvolvimento e umas regras do jogo claras e flexíveis por parte das instituições financeiras internacionais e das qualificadoras de risco, as consequências econômicas serão severas e o aumento da pobreza e da desigualdade, assim como o empobrecimento das classes médias, colocarão em cheque os governos e os sistemas políticos da região.
O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial pediram, em um recente artigo do Financial Times, um alívio da dívida para os países mais pobres do planeta. “Esquecer as consequências sobre os chamados países de renda média nesta crise, seria um grave erro” que, como bem diz Nora Lustig, é uma crise sem culpáveis. A América-Latina requer, hoje mais que nunca, linhas imediatas e flexíveis de crédito dos bancos de desenvolvimento e umas regras do jogo que lhes permitam tomar as medidas necessárias e suficientes para proteger adequadamente a sua população e as suas economias.
A mensagem deve ser clara seguindo o consenso quase universal: a prioridade agora são as pessoas.
Diferentemente do ano de 2008, nesta crise o centro de gravidade não está nos mercados financeiros senão na economia real, nessa sorte de maioria invisível que são as P&MES e os trabalhadores, independentemente de seu status laboral. Aqui já não cabe a palavra austeridade.
Quando este temporal passar, tomara que essa mudança de foco permaneça e que tiremos as conclusões corretas desta crise para que sejam fortalecidos o multilateralismo, a cooperação e a solidariedade na defesa do bem comum.