Vivemos o esgotamento de um modelo de crescimento que transcende o contexto local, nacional ou regional da Ibero-América, assim como de qualquer outra região do planeta. Por isso, qualquer contribuição para o desenvolvimento humano sustentável das cidades ibero-americanas deve ser abordada a partir de uma perspectiva sistêmica do atual contexto histórico crítico.
O modelo de crescimento em crise hoje – surgido após a Segunda Guerra Mundial e acelerado exponencialmente pela globalização – gerou uma epistemologia, uma ideologia, uma cultura e uma racionalidade linear e de curto prazo. Nele, a definição de riqueza se limita à dimensão econômico-financeira, deixando de fora as dimensões social e ambiental.
A gestão das consequências desse conceito unidimensional de riqueza não foi medida, valorizada nem integrada na tomada de decisões, o que aprofundou as desigualdades estruturais internas e entre países e acumulou impactos ambientais negativos a ponto de gerar, paradoxalmente, limites físicos ao próprio modelo de crescimento.
O Foro Econômico Mundial de Davos está alertando sistematicamente há mais de cinco anos, sobre os riscos que as desigualdades sociais e os desafios ambientais representam para a viabilidade do sistema econômico-financeiro.
Isso cria tal volatilidade e incerteza que impede a criação de economias robustas de médio e longo prazo, necessárias para diversificar os portfólios e mitigar os riscos de investimento global, expondo o sistema econômico-financeiro e tornando-o vulnerável no curto prazo.
A boa notícia é que o próprio sistema econômico-financeiro já começou a reagir a essa situação. O Foro Econômico Mundial impulsiona estratégias para restaurar a estabilidade de médio e longo prazo e regenerar o ciclo econômico internacional, integrando as dimensões social e ambiental na definição de riqueza.
Parte dessa estratégia envolve investir massivamente na descarbonização das infraestruturas econômicas em nível global. Outro aspecto é a integração de elementos de coesão social para reduzir a volatilidade e gerar a estabilidade e a previsibilidade de longo prazo necessárias para a viabilidade e a sobrevivência do próprio sistema.
Essa transição justa para um modelo de desenvolvimento sustentável exige um Estado inovador e empreendedor, além de marcos de políticas públicas e regulamentação que incentivem a criação de projetos transformadores, estáveis e de longo prazo para melhorar a realidade social e ambiental dos territórios.
A Europa está avançando rapidamente nessa transição justa, graças à sua capacidade de governança democrática, baseada em direitos e na qualidade institucional. Cidades e territórios da Espanha e Portugal estão se beneficiando diretamente desse progresso.
No âmbito do Pacto Verde, a União Europeia elaborou um Plano de Política Pública de Longo Prazo, acompanhado de regulamentações para acelerar a integração das dimensões social e ambiental no modelo de desenvolvimento sustentável que a Europa pretende seguir. O pacto inclui um pacote financeiro de 750 bilhões de euros, uma injeção de liquidez sem precedentes, avalizada pelos mercados financeiros internacionais.
Esse contexto abre uma oportunidade para enfrentar os desafios sociais e ambientais das cidades latino-americanas, promovendo o desenvolvimento econômico, social e ambiental.
A Diretiva de Diligência Devida em Sustentabilidade Corporativa (CSDDD), uma das principais regulamentações da UE, afeta diretamente as empresas latino-americanas que fazem parte das cadeias de valor das companhias europeias.
A CSDDD exige que as empresas estabeleçam mecanismos para garantir que suas fornecedoras na América Latina gerenciem os impactos sociais e ambientais, cumprindo os direitos humanos. Trata-se de uma grande oportunidade para que os territórios e as cidades latino-americanas utilizem esse vetor disruptivo para impulsionar seu desenvolvimento humano sustentável. Para acessarem as cadeias de valor de empresas europeias, as empresas latino-americanas precisam incorporar a sustentabilidade como um requisito de competitividade. Essa sustentabilidade também permitirá que elas obtenham financiamento em melhores condições.
Além disso, a CSDDD oferece uma oportunidade única para promover colaborações e alianças entre empresas e diferentes atores locais: instituições públicas, organizações da sociedade civil e o setor acadêmico, a fim de gerar impactos em objetivos sociais e ambientais comuns.
Por que essa é uma oportunidade especialmente relevante para as cidades?
Porque é justamente no nível local, nas cidades e nos territórios, que o impacto positivo no desenvolvimento humano sustentável é percebido e reconhecido de forma mais imediata. O valor compartilhado que uma aliança colaborativa entre o setor público e privado gera torna-se tangível tanto para os cidadãos, pela percepção da eficácia das políticas públicas, quanto para os grupos de interesse das empresas (acionistas, clientes e funcionários), cada vez mais comprometidos com a sustentabilidade.
A localização da Agenda 2030 nas cidades serve como um marco para alinhar a colaboração de todos os atores locais em torno dos desafios comuns e compartilhados do desenvolvimento sustentável do território.
Temos poucas oportunidades e pouco tempo para conter os desafios climáticos e limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC. Precisamos transitar para um modelo de desenvolvimento sustentável e estável a longo prazo, que permita às pessoas exercerem seus direitos em qualquer parte do mundo, sem deixar ninguém para trás.
As alianças multissetoriais entre instituições públicas locais, empresas que cumprem a CSDDD, sociedade civil inovadora e academia podem e devem ser um vetor acelerador para oferecer soluções às cidades e territórios latino-americanos.