Em 1965, Gary Moore, fundador da Intel, previu que o número de transistores em um chip se duplicaria a cada 12 meses, enquanto seu custo de produção cairia pela metade no mesmo período. Essa projeção, conhecida como a lei de Moore, revelou-se plenamente acertada e se reflete no fato de que o poder de processamento dos circuitos atuais é cerca de dois bilhões de vezes maior do que era em 1960. Por sua vez, esse avanço tecnológico constante e exponencial facilitou o surgimento de uma infinidade de aplicações tecnológicas sem as quais já não conseguimos imaginar nossa vida cotidiana e que, até algumas décadas atrás, nos teriam parecido ficção científica.
O que não se desenvolveu com o mesmo ímpeto que a indústria tecnológica foi a regulação. Hoje existe ampla consciência dos riscos implícitos na transformação digital, mas ainda faltam amplos consensos sobre como abordá-los em nível internacional sem limitar seu potencial.
A Comunidade Ibero-americana tem sido pioneira nessa matéria. Já em 2007, no marco da XVII Cúpula de Chefes de Estado e de Governo, foi aprovado um dos primeiros esforços multilaterais para abordar um dos aspectos mais importantes desse fenômeno, a Carta Ibero-americana de Governo Eletrônico. Com o passar dos anos, esse acervo não deixou de crescer, por meio de comunicados, declarações e outros instrumentos, aprovados tanto em nível ministerial quanto nas Cúpulas.
O mais recente e ambicioso esforço regional em matéria de transição digital é a Carta Ibero-americana de Princípios e Direitos em Entornos Digitais (CIPDED), adotada durante a XXVIII Cúpula Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo (2023). Seguindo a tradição já estabelecida nesse tipo de documentos, a CIPDED não apenas reconhece o estado da situação na Ibero-América em matérias que vão desde a conectividade até as neurotecnologias, mas também projeta o futuro ao qual aspiramos, e concretiza, por meio de compromissos de médio e longo prazo, os passos necessários para construí-lo.
Em momentos em que o multilateralismo e a colaboração se encontram fortemente questionados, a CIPDED é uma mostra do que pode se conseguir através do diálogo, do consenso, e da construção de acordos que caracterizam a Cooperação Ibero-americana.
A Ibero-América aspira a uma transformação digital justa, equitativa e que não deixe ninguém para trás, a qual deve ser construída a partir de três pilares estruturais. O primeiro consiste em garantir os direitos das pessoas, o que requer não apenas reconhecer sua vigência tanto no mundo online quanto offline, mas também melhorar as condições materiais que viabilizam a inclusão digital.
Para uma transformação digital justa e equitativa é necessário garantir os direitos das pessoas, zelar pela concorrência saudável e impulsionar a conectividade regional e local
O segundo pilar nos exige zelar pela concorrência saudável, promovendo o crescimento dos mercados locais e fiscalizando o cumprimento das obrigações aplicáveis às grandes empresas tecnológicas, especialmente aquelas que lideram o desenvolvimento da Inteligência Artificial e as que apresentam maiores riscos de se tornarem monopólios. Finalmente, o terceiro pilar nos convida a impulsionar a competitividade em nível local e regional, para evitar a dependência econômica e criar uma prosperidade que seja sustentável ao longo do tempo.
É inegável que o futuro da Ibero-América será digital, e desde a SEGIB acreditamos que, forjando acordos e trabalhando de forma coordenada por meio do que nos é comum, podemos fazer com que esse futuro também seja respeitoso dos direitos das pessoas, justo, inclusivo e sustentável.