Desde o inicio da pandemia, a corrida para conseguir uma vacina contra a COVID-19 esteve caracterizada pela preocupação de centenas de líderes e especialistas internacionais de que os interesses dos governos mais ricos e as empresas não se antepusessem à necessidade universal de salvar vidas.
Em uma carta assinada em maio de 2020 por mais de 140 líderes internacionais, entre eles a secretária-geral ibero-americana, Rebeca Grynspan, instava-se a Assembléia Mundial da Saúde -o maior órgão da decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS)- a forjar um acordo global que assegure o acesso rápido e universal às vacinas, diagnósticos e tratamentos para a COVID19, nos quais a necessidade seja priorizada por cima da capacidade de pagamento”
Em certo momento, alguns países e empresas que investem milhões de dólares e tempo em pesquisas expressaram suas objeções a uma vacina universal.
Por exemplo, o diretor geral da Federação Internacional da Indústria Farmacêutica (Ifpma), Thomas Cueni, disse que pôr em dúvida a propriedade industrial pela pandemia do Coronavírus “criaria incerteza e enviaria uma mensagem equivocada às companhias farmacêuticas que se arriscaram com grandes investimentos”.
No entanto, Grynspan esclarece que há milhões de dólares de fundos públicos que foram usados para a pesquisa das vacinas: muitas vezes, os ensaios iniciais são feitos por universidades ou centros de pesquisa com dinheiro público, mas depois, as seguintes fases são continuadas pelas companhias.
“Isto tem de ser um esforço público-privado, que permita a produção em massa de vacinas que cheguem a todo o mundo”, e cita o caso da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e a farmacêutica britânico-sueca Astra-Zeneca.
Gratuidade da vacina
O diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que uma luz verde de seus vizinhos da Genebra na Organização Mundial de Comércio (OMC) faria que as vacinas, os testes e os tratamentos utilizados para combater a COVID-19 ” estejam disponíveis para todos aqueles que os necessitarem a um custo acessível”.
No entanto, ainda que a ideia conte com o respaldo de mais de 100 países, segundo a organização Médicos do Mundo e a OMS, a 10 de dezembro de 2020 a OMC não chegou a um acordo sobre a proposta para eximir as vacinas contra a COVID-19 dos direitos de propriedade intelectual e poder ser produzidas por países de todo o mundo, uma ideia à qual se opõem vários Estados que albergam gigantes farmacêuticos.
“É a cooperação internacional que tem de torná-la disponível para todo o mundo, por razões éticas, altruístas e de preservação, porque se alguma população ficar sem acesso à vacina, poderão contagiar os demais”, remarca Grynspan.
As lições aprendidas
O temor dos líderes e especialistas internacionais não é casual. O acesso desigual já se produziu com vacinas anteriores.
Grynspan recorda a dolorosa lição que o VIH e o ebola deixaram.
“Como o ebola se conteve em alguns países da África, não houve uma aliança internacional que somasse esforços e conhecimentos para lançar uma vacina, e todos sabemos o quão dolorosa que foi essa experiência para a África”.
No caso do VIH-SIDA, ainda que tenha se avançado nos tratamentos, “devemos recordar que, ao principio, foram muito caros e não houve acesso individual, até que se gestou um movimento internacional para pôr à disposição os primeiros tratamentos genéricos, (a campanha pelos retrovirais), mas passaram muitos anos até isso acontecer”.
Existem experiências de cooperação exitosas, como a Aliança Mundial pelas Vacinas e a Imunização (GAVI), uma associação fundada em 2000, com capital tanto do setor público como privado, apoiada pela Fundação Gates, que leva as vacinas aos países mais pobres.
“A luta contra o Coronavírus só pode ser ganha se os diagnósticos, os tratamentos e a vacina forem de acesso universal”, conclui Grynspan.