Responder aos grandes desafios de nosso tempo é o ponto de partida das reflexões do municipalismo ibero-americano para construir uma agenda de igualdade de gênero desde uma visão “glocal” (global e local).
“Acreditamos firmemente que os desafios globais devem se materializar desde o municipalismo, para que atravessem de forma transversal, todos os planos estratégicos. Por isso, os municípios ibero-americanos trabalhamos conjunta e intensamente em propostas para incorporar a perspectiva de gênero aos grandes desafios da pós-pandemia”, explica Núria Parlón, prefeita do município catalão de Santa Coloma de Gramenet, sede do encontro.
Os governos locais entenderam que a dupla visão “glocal” é decisiva para que a agenda de igualdade seja uma realidade no dia a dia das mulheres porque “a vida ocorre nos territórios e é aí onde a incidência e o trabalho se tornam mais palpáveis, e é também nos territórios onde podemos reverter anos de assimetrias e desigualdades que se perpetuam no âmbito local, impedindo que as mulheres se empoderem e acedam às oportunidades que merecem”, explica Federico Castillo Blanco, secretário-geral da União Ibero-americana de Municipalistas (UIM), projeto adstrito do sistema de cooperação ibero-americana.
Com esta visão, a UIM, junto à ONU Mulheres, à Secretaria-Geral Ibero-americana (SEGIB), ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Comissão Interamericana de Mulheres (CIM-OEA) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) se uniram na 6ª Cúpula de Agendas Locais de Gênero, com o tema “Novos desafios globais, novas respostas desde as agendas locais de gênero”.
Este grande encontro do municipalismo ibero-americano, que foi realizado de 18 a 21 de outubro, colocou o ênfase em três grandes blocos temáticos que interpelam a região, mas que, ao mesmo tempo, têm profundas implicações nos territórios. O primeiro é a mobilidade humana e a migração, o segundo é o emprego, cuidados e violência de gênero e o terceiro está focado na perspectiva de gênero na ação climática e na sustentabilidade meio ambiental.
A 6ª Cúpula de Agendas Locais de Gênero analisou as políticas municipais na resposta a grandes desafios de hoje: migrações, mudança climática, violência de gênero e a corresponsabilidade no trabalho doméstico e de cuidados.
A última edição da Cúpula de Agendas Locais de Gênero chega em um momento de graves retrocessos nos direitos das mulheres, produto da confluência de duas crises que retroalimentam: a crise econômica derivada da pandemia e da guerra da Ucrânia e a crise dos cuidados. Mas, ao mesmo tempo, este grande encontro de municípios, que volta a ser presencial após a pandemia de COVID 19, se produz quando a luta pela igualdade ganha mais espaços no debate político, até o ponto de que dois países ibero-americanos-México e Espanha—estabeleceram a igualdade de gênero como eixo central de sua política exterior e prioridade em sua política doméstica.
Resultados e propostas
As Cúpulas de Agendas Locais de Gênero são sementeiras de propostas, intercâmbios e boas práticas municipais para que “a política pública em matéria de igualdade de gênero chegue de forma concreta aos territórios, porque é ali onde as mulheres sofrem violência, são discriminadas ou são recebidas quando migram desde os seus países”, resume o secretário-geral da UIM.
A Declaração de Santa Coloma que resultou da Cúpula recolhe propostas específicas com enfoque de gênero para a planificação e gestão das prefeituras em áreas como migração, corresponsabilidade nos cuidados e mudança climática e enfatiza a necessidade de articular as políticas entre os governos centrais e os governos subnacionais.
No que diz respeito às migrações, as prefeituras ibero-americanos reconhecem que as mulheres, meninas e adolescentes estão mais expostas à violência, trata e tráfico de pessoas, pelo quê, instam a promoção de mecanismos mais efetivos de coordenação a nível territorial, local, estatal, regional e multilateral para evitar estes abusos e facilitar a integração das mulheres migrantes e refugiadas nas cidades e municípios de acolhimento.
Ainda assim, entende que o gênero é um fator crucial na migração por motivos meio ambientais e nos deslocamentos por catástrofes, os municípios ibero-americanos têm urgência em projetar atuações territoriais e nacionais que “atendam as distintas capacidades em acesso e uso dos recursos, tanto nas comunidades de origem durante a migração, como em país de destino e nos processos de retorno”.
A Declaração da 6ª Cúpula de Agendas Locais de Gênero faz propostas concretas para a planificação e gestão das prefeituras e propõe mais coordenação entre as políticas de gênero dos governos centrais e subnacionais.
Com respeito à chamada “crise dos cuidados”, que se tornou mais evidente durante a pandemia pelo desequilíbrio entre a necessidade de cuidados e sua provisão e atenção, as prefeituras ibero-americanos sublinham em como esta responsabilidade continua recaindo principalmente sobre as mulheres, “sem que tenha se reconhecido, valorizado, nem produzido uma redistribuição do trabalho doméstico e de cuidados”.
Os municípios ibero-americanos propõem a criação de Sistemas Integrais de Cuidados que comprometam o setor público em seu conjunto, e nos quais os governos locais, afirmam, “devem ter um papel protagonista para sua implementação”. Isto, assegura a declaração, “garantiria os direitos das pessoas que requerem cuidados e os direitos daqueles que cuidam, facilitando assim a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres”.
Finalmente, a Declaração de Santa Coloma também insta os governos locais da Ibero-América a vincular em sua planificação e gestão estratégica a ação climática com perspectiva de gênero, através de medidas de adaptação à mudança climática, ações de proteção, conservação, diversificação econômica e fortalecimento da resiliência e capacidade adaptativa das comunidades.
Este grande encontro do municipalismo ibero-americano congregou, de 18 a 21 de outubro, mais de 700 participantes de toda a região, com 14 conferências, painéis e grupos de trabalho, uma marcha pela igualdade e gerou importantes aprendizados e intercâmbios de experiências, como a da prefeitura anfitrião, Santa Coloma de Gramenet, que explicou os benefícios de incorporar a perspectiva de gênero no orçamento municipal e em toda sua ação estratégica, assim como o impacto obtido pelo seu Centro Municipal de Recursos para Mulheres, conhecido como “La CIBA”.
Rede de Municípios pela igualdade
Além das propostas para uma abordagem nacional-local destes três desafios globais, a 6ª Cúpula de Agendas Locais de Gênero impulsionou, fortaleceu e renovou a Rede Ibero-americana de Municípios pela Igualdade (RIMIG-Iber-Gênero), integrada por 51 governos municipais e oito ONG de 12 países ibero-americanos.
A nova diretiva desta rede ibero-americana que propõe colocar a igualdade de gênero e a democracia paritária no topo das agendas municipais está conformada integralmente por mulheres, com a edil de Santa Coloma de Gramenet, Núria Parlón como presidenta e com as vice-presidências de Amparo Marco Gual (Castellón de la Plana, Espanha), Claudia Martínez (Córdoba, Argentina), Ramona Reyes (Paillaco, Chile) e Nely Vindel da Associação ANDRYSAS de El Salvador.
Consultada sobre a renovação da Rede de Municípios pela Igualdade, sua nova presidenta assegura que “nossa rede de municípios hoje é mais forte. As alianças que estabelecemos na Cúpula nos permitirão avançar para que a voz e as propostas das mulheres protagonizem as novas agendas locais de gênero”.
A Cúpula também reforçou a Rede de Municípios pela Igualdade da qual formam parte 51 governos municipais e oito ONG de 12 países ibero-americanos.
Fortalecer as lideranças locais e aprofundar redes de diplomacia local e territorial já existentes é uma das conquistas mais importantes destes encontros e das redes municipalistas ao longo de mais de uma década. Isto, somado ao trabalho em rede com o sistema de cooperação ibero-americana, permitiu conectar diferentes atores para impulsionar simultaneamente a agenda de gênero a nível subnacional, nacional e regional, explica o secretário-geral da UIM.
Castillo Blanco assegura que a agenda de igualdade está ganhando interesse nas prefeituras ibero-americanas, “sem importar se estão governadas por mulheres ou por homens”, algo que em sua opinião, “reflete a consciência de que a igualdade de gênero beneficia toda a sociedade e concerne tanto às mulheres como aos homens”.
Gênero e municipalismo
Em 2022 cumprem-se 11 anos desde que a União Ibero-americana de Municipalistas (UIM) fez da igualdade de gênero um objetivo transversal de toda a sua ação, o ponto de partida para “o nascimento de um novo municipalismo na Ibero-América”, segundo o presidente da UIM.
“Fomos uma das primeiras organizações do espaço ibero-americano a entender que a política pública local, para ser verdadeiramente democrática, deveria ser inclusiva e feminista”. Por isso, o secretário da UIM defende que as Cúpulas de Agendas Locais de Gênero contribuem a repensar as cidades e transformá-las desde a visão da igualdade.
Antes de Santa Coloma de Gramenet, que acolheu a primeira cúpula municipal em solo espanhol e europeu, as cidades latino-americanas de Córdoba (Argentina), Aguascalientes (México), Santiago do Chile, Cuenca (Equador) e Estado de Colima (México) tinham sido as sedes destes encontros que, segundo suas organizadoras, “oferecem a palavra àqueles que conhecem a realidade das pessoas e aos desafios das comunidades, para que o conhecimento, as experiências e o bem fazer seja partilhado e transferido”.
“Hoje assistimos a uma eclosão de agendas pela igualdade nos municípios e governos da região. A aposta pela igualdade de oportunidades entre mulheres e homens é, hoje, tão inevitável como imparável e é também uma expressão de uma mudança de época”, conclui o secretário-geral da União Ibero-americana de Municipalistas ao final de conversação com o Portal Somos Ibero-América.