Mais de 47 milhões de pessoas na Argentina ficaram com a respiração suspensa a 18 de dezembro de 2022 quando sua seleção disputava o Campeonato Mundial de Futebol. Naqueles cantos do país onde a tecnologia é um luxo, também pôde se viver este histórico jogo contra a França e todos os anteriores. Cada um dos 650 centros da rede “Ponto Digital” ao longo e largo da Argentina se converteu em um “Ponto Mundial”.
Mais de 6.000 pessoas de localidades rurais e bairros populares celebraram comunitariamente a vitória de sua seleção através de atividades recreativas e de aprendizagem vinculadas à Copa, algo que exemplifica como, na Argentina, digitalização é sinônimo de inclusão.
Foto: © Programa Ponto Digital. Subsecretaria de Serviços e País – Argentina[/caption]
“Não se trata só de conectividade, senão de gerar um entramado social que permita compartilhar experiências comunitárias. Estes pontos estão pensados para aproximar a tecnologia à infância, à juventude, às mulheres, aos idosos”, explica Ana Carina Rodríguez, subsecretária de Serviços e País Digital.
Os pontos digitais são espaços públicos com computadores de última geração, projetor com tela gigante e consoles de videojogos para favorecer o acesso das vizinhas e dos vizinhos de todas as idades a capacitações, ao lazer e à assistência para realizar trâmites com o Estado.
“Ponto Digital” é a iniciativa de inclusão digital e capacitação tecnológica mais extensa da Argentina. Sua implementação, como política de Estado, conta com mais de 12 anos de continuidade e se articula a nível nacional, provincial e municipal. Desta forma, “cada município projeta um programa de acordo às necessidades específicas de sua população”, explica Rodríguez.
Ponto Digital é a iniciativa de inclusão digital e tecnológica mais extensa da Argentina, com espaços de apropriação tecnológica, formação e participação comunitária
Segundo dados da Secretaria de Inovação Pública, dependente da Chefatura de Gabinete, 4 milhões de pessoas utilizaram os Pontos Digitais durante 2022, foram gerenciados mais de 1,4 milhões de trâmites governamentais com dispositivos públicos e com a ajuda de pessoal técnico em tais centros. Ainda, foram instalados 60 novos espaços e renovados outros 30.
O direito à educação
Durante a pandemia, crianças das zonas mais afastadas e bairros desfavorecidos acederam às suas aulas virtuais nestes 650 pontos digitais, o que permitiu garantir a continuidade de seu direito à educação, recorda Rodríguez.
Esse direito à educação que a tecnologia ajuda a exercer, também se estende à formação de capacidades digitais e laborais, através da “Plataforma de Aprendizagem Virtual (PAV), um campus virtual que está abrindo um mundo de possibilidades de capacitação.
A plataforma de ensino está instalada em todos os equipamentos da rede de pontos digitais, mas também é de livre acesso desde qualquer dispositivo. Oferece mais de 100 cursos e formações à distância, livres e gratuitas com temáticas tão diversas que vão desde programação web, algoritmos, estratégias de marketing digital ou projeto gráfico até o exercício de cidadania e direitos, perspectiva de gênero e prevenção da violência contra as mulheres ou manejo responsável da informação, por citar alguns exemplos.
A Plataforma de Aprendizagem Virtual oferece mais de 100 cursos à distância de habilidades laborais, digitais e formação sobre direitos cidadãos no entorno digital
Mais além da formação virtual, a estratégia de educação digital também contempla bate-papos presenciais sobre uso prático da tecnologia em questões do dia a dia, como agendar um trâmite com o governo, validar sua conta de WhatsApp, se proteger ante estafas por internet, etc.
“Desta maneira, a tecnologia começa a ser mais familiar e próxima. Ao aumentar os níveis de alfabetização digital, as pessoas ganham confiança, autoestima e autonomia”, sublinha a responsável da iniciativa, quem valoriza o trabalho com as idosos que vão adquirindo mais habilidades e competências para seu dia a dia.
“País Digital” para tod@s
A iniciativa Ponto Digital e a plataforma de aprendizagem virtual são exemplos de uma ampla estratégia federal chamada “País Digital” orientada a universalizar o acesso e apropriação da tecnologia, garantir direitos fundamentais como a informação, educação, cultura e lazer, assim como aproximar o Estado à cidadania. “Falamos de uma estratégia integral de inclusão digital articulada a nível federal, provincial e municipal, explica Rodríguez.
A digitalização é um signo de identidade da Argentina e uma política de Estado. Segundo dados da UNESCO, a Argentina é um dos países com maior penetração da Internet na América Latina, com 80% da população com acesso à conectividade fixa e móvel. Além disso, o relatório da CEPAL sobre digitalização das mulheres mostra que a Argentina é, junto com o Uruguai, um dos países latino-americanos onde não existe brecha de gênero no uso de tecnologias digitais.
Perguntada sobre os bons dados de conectividade das mulheres, Rodríguez explica que “são elas as que fazem a maioria dos trâmites com a administração e se preocuparam em aprender a utilizar as ferramentas digitais para facilitar essas gestões”, mediante a aplicação “Minha Argentina”
Este perfil digital cidadão para gerenciar trâmites, agendar, aceder às credenciais e receber informação e atenção personalizada, possui mais de 19 milhões de usuários registrados e é uma aplicação que oferece serviços que vão desde a tramitação em linha de documentos como o certificado de vacinação ou o certificado único de deficiência que permite a este coletivo aceder a todas suas prestações públicas, até serviços de saúde online ou agendar gestões com a administração, reprogramá-los ou cancelá-los. As pessoas podem vincular seu documento de identidade ao app, registro de condução, seguro do automóvel, entre outros.
“Desde sua implementação, foi multiplicado por 5 o número de trâmites que são realizados desde Minha Argentina, algo que reflete a sinergia positiva entre a tecnologia e a articulação entre organismos públicos para melhorar a qualidade de vida das pessoas”, explica a subsecretária do País Digital.
Dentro do app Minha Argentina, a assistente virtual “Tina”, um chatbot com inteligência artificial oferece informação, serviços automatizados e assistência para realizar trâmites e a derivação a operadores dos organismos públicos. Deve seu nome às últimas quatro letras do país sul-americano.
Um Estado que ‘conecta’ com a cidadania
Da mesma forma que para muitos países latino-americanos, a pandemia significou para a Argentina uma tomada de consciência sobre o imenso potencial da tecnologia para “conectar as pessoas com seus direitos e aproximar o Estado à cidadania”.
A pandemia, explica Rodríguez, foi um ponto de inflexão, ainda que, já antes disso, a Argentina era um dos países mais avançados quanto à conectividade e uso das novas tecnologias, uma política que se intensificou com o confinamento.
A inclusão digital, o uso da tecnologia como habilitadora de direitos e a inovação na atenção cidadã para uma gestão pública cada vez mais ágil formam parte de uma política de Estado que “não tem volta”, porque existe uma crescente demanda cidadã e cada vez mais a consciência da existência destes direitos, explica Rodríguez.
Além disso, acrescenta, nosso “País Digital” está em constante construção e melhora, “não é um exercício vertical, senão que aprendemos e vamos melhorando a partir do ato de escutar a cidadania, e, também com a ajuda de ferramentas de inteligência artificial para introduzir melhoras. É um exercício de cocriação da gestão pública junto à cidadania a partir de uma articulação com governos provinciais e municipais, explica.
Partindo de sua própria experiência da digitalização como veículo para exercer direitos cívicos e tornar eficiente a gestão pública, a Argentina celebra os avanços para a aprovação de uma Carta Ibero-americana de Princípios e Direitos Digitais na próxima Cúpula Ibero-americana.
“Parece-nos muito importante que tenhamos, a nível ibero-americano, umas bases e objetivos comuns sobre os direitos que os Estados devemos garantir a todos os níveis e, ao mesmo tempo, possamos compartilhar as experiências para nos enriquecermos mutuamente neste caminho”, conclui Ana Carina Rodríguez.