Na Ibero-América, os índices de alfabetização, escolarização e acesso ao mercado de trabalho e à saúde das pessoas com deficiência são sensivelmente inferiores aos do resto da população.
As barreiras de acessibilidade, assim como a atitude da sociedade frente a este coletivo, constituem obstáculos que marginalizam mais de 80% das pessoas em situação de deficiência na Ibero-América.
Todas estas cifras demandaram abordar a deficiência na região com uma maior ênfase no aspecto social, um fenômeno que se adverte há duas décadas.
“As pessoas com deficiência se enfrentam a piores resultados sanitários e acadêmicos, uma menor participação econômica e taxas de pobreza mais altas que as pessoas sem deficiência”
Iniciativas para a inclusão
Em matéria de instrumentos internacionais, a primeira iniciativa na região surgiu em 1999 com a adoção, no marco da Organização de Estados Americanos (OEA), da Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas com Deficiência.
A isso se somou, em 2006, a firma da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), em vigência desde maio de 2008 e que até a data foi ratificada por todos os países da comunidade ibero-americana.
Em 2011, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Grupo do Banco Mundial publicaram o Relatório Mundial sobre a Deficiência, que reúne pela primeira vez informação atualizada sobre a deficiência para facilitar a implementação da CDPD.
Segundo este documento, no mundo vivem mais de 1 bilhão de pessoas com alguma deficiência. Isto significa que 15% por cento da população se enfrenta a “piores resultados sanitários e acadêmicos, uma menor participação econômica e taxas de pobreza mais altas que as pessoas sem deficiência (…), dificuldades que são exacerbadas nas comunidades menos favorecidas”.
Em 2012 a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), em seu Panorama Social da América Latina, apresentou uma análise da situação das pessoas com deficiência na América Latina e o Caribe.
Neste documento se estima que 12% da população da região tem alguma deficiência, com maior prevalência em mulheres e outros coletivos em situações de maior vulnerabilidade econômica e social (crianças e idosos, habitantes das zonas rurais, povos indígenas e afro descendentes e as pessoas com menores ingressos), coincidentemente com as considerações do relatório da OMS e o Banco Mundial.
Em 2014, a Conferência Estatística das Américas da CEPAL elaborou o Relatório Regional sobre a Medição da Deficiência, no qual se assinala que “devido às diferenças conceituais, metodológicas e operativas que se observam nos procedimentos de coleta de informação e dados entre os países da região, ainda é difícil contar com uma quantificação desta realidade, medir sua evolução e conhecer as tendências no tempo”.
Deficiência e a Agenda 2030
Uma diferença substantiva em relação à situação das pessoas com deficiência a nível global foi sua incorporação nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que conformam a Agenda 2030, aprovada em setembro de 2015.
Aqui se faz referência explícita –diferentemente dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio– a esta população no relativo à educação, emprego, igualdade, acessibilidade e dados.
Ainda assim, o lema da Agenda 2030 “que ninguém fique para trás” destaca a necessidade de promover e garantir a inclusão de todas as pessoas para fazer realidade os ODS, o que no caso das pessoas com deficiência se traduz em uma implementação efetiva da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Ao adotar a Agenda 2030, os países ibero-americanos estabelecem um reconhecimento expresso da responsabilidade dos Estados por respeitar, proteger e promover os direitos humanos e liberdades fundamentais de todos os indivíduos.
Este reconhecimento se apresenta sem distinção alguma e especialmente visibiliza os coletivos de população em situações de maior vulnerabilidade, entre outros as pessoas com deficiência.
A Agenda 2030 representa colocar no centro da ação o princípio de “não deixar ninguém para trás”, transversal a toda a agenda de desenvolvimento, mas articulado de forma destacada em torno do ODS 10 e em particular da meta 10.2.
Esta última assinala: “Daqui a 2030, potenciar e promover a inclusão social, econômica e política de todas as pessoas, independentemente de sua idade, sexo, deficiência, raça, etnia, origem, religião, situação econômica ou outra condição”.
“A Agenda 2030 representa colocar no centro da ação o princípio de não deixar ninguém para trás”
Reconhecimento na Comunidade Ibero-americana
Desde 2003, a Conferência Ibero-americana se posicionou em matéria de deficiência, quando na Cúpula de Santa Cruz de la Sierra (Bolívia) 2004 foi assinalado como o “Ano Ibero-americano das Pessoas com Deficiência”, adquirindo sucessivamente compromissos nas Cúpulas do Chile em 2007, Argentina 2010, Paraguai 2011 e quando foi declarado o ano de 2013 como o “Ano Ibero-americano para o Emprego das Pessoas com Deficiência”.
Além disso, na XXIII Cúpula do Panamá de 2013 foi incluída na declaração a necessidade de incorporar a perspectiva de deficiência de maneira transversal com o fim de garantir a inclusão e proteção social.
Este percurso no âmbito ibero-americano se consolidou decididamente na XXVI Cúpula Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo de la Antigua, Guatemala, em 2018, com a aprovação do Programa Ibero-americano sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, cujo mandato de criação emana da Cúpula de Cartagena das Índias de 2016.
Esta iniciativa tem como objetivo contribuir à inclusão das pessoas com deficiência na vida política, econômica e social, através de políticas que garantam o pleno desfrute e exercício de seus direitos em conformidade com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a consecução dos ODS.
O programa está formado por Andorra, Argentina, Costa Rica, Equador, Espanha, México e Uruguai como membros plenos. Em qualidade de convidados participam a Bolívia, Guatemala e República Dominicana. A presidência recai no Equador e a Unidade Técnica no Grupo Social ONCE.
São inegáveis os avanços da região ibero-americana em matéria de políticas públicas para pessoas com deficiência. No entanto, há desafios pendentes.
As brechas de acesso ainda existentes e o imperativo de reduzi-las chama à mobilização governos, sociedade civil, organizações relacionadas com a deficiência, universidades, centros de pesquisa, setor privado e organismos internacionais.
Trata-se de criar entornos favoráveis, promover a reabilitação e os serviços de apoio, garantir a proteção social ao longo da vida, formular e implementar políticas e programas inclusivos laborais e educativos, e gerar marcos legais que propiciem de forma sistêmica e mantida a atenção integral e o acesso das pessoas com deficiência.