A segurança alimentar não só requer que os alimentos estejam disponíveis e aportem nutrição, senão também que sejam seguros. Com essa premissa, o Chile, Cuba e a União Europeia puseram em funcionamento um projeto de cooperação triangular para elevar os níveis de saúde animal na ilha e, assim, aumentar a quantidade de alimentos inócuos para a população. A segurança alimentar também implica que a provisão dos alimentos seja estável, para o qual é necessário que a agricultura altamente produtiva seja compatível com a conservação da biodiversidade. A perda do habitat de muitos animais, plantas e micro-organismos é maior nas regiões onde há produção de monocultivo. Por isso o Ministério Federal Alemão de Meio Ambiente, Proteção da Natureza e Segurança Nuclear (BMU) trabalhou no projeto Do campo ao prato com a Costa a Rica e a República Dominicana com o fim de incrementar a sustentabilidade da produção da banana e do abacaxi.
Estas duas iniciativas são dois exemplos de cooperação sul-sul e triangular, um modelo que a Secretaria-Geral Ibero-americana (SEGIB) impulsiona há mais de uma década para fortalecer as capacidades dos 22 países da Ibero-América para contribuir ao desenvolvimento em linha com a Agenda 2030. “Este modelo de cooperação, em nosso caso por exemplo, é muito interessante porque nos permite aportar mais técnica e mais dinheiro. Nós nos associamos com a UE, de maneira que juntamos esforços e fundos para ir em apoio de um terceiro país, Cuba. Isso tem um valor. Por nossa conta poderíamos ter feito menos. O apoio logístico e econômico que pode ser brindado é maior quando se unem os esforços de dois países ou regiões”, explica ao portal Somos Ibero-América Fabiola Viera Núñez, encarregada dos programas com a UE na Agência Chilena de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AGCID).
O projeto em Cuba, que começou em 2017 e concluiu em 2023, buscava fortalecer o controle da peste porcina e da gripe aviar “com um trabalho em laboratórios para diminuir o contágio no tratamento de produtos de consumo animal e humano”, indica Paola Caro, responsável dos programas da América Central e Cuba na AGCID. O projeto atendeu tanto a capacitação dos profissionais dos laboratórios como sua infraestrutura. A formação se deu, principalmente, nos primeiros anos até 2019, quando profissionais cubanos viajaram ao Chile para se capacitarem no Serviço Agrícola e Pecuário e trabalhadores desse departamento se deslocaram a Cuba. “O segundo componente do projeto foi trabalhado no pior momento da pandemia, com a compra de três camionetes para uso exclusivo de cada um dos laboratórios e aquisição de equipamentos, insumos e reativos que fortalecerão as duas áreas de controle, a da peste porcina e a da gripe aviar”, especifica a especialista. O trabalho terminou com resultado satisfatório apesar das dificuldades que a pandemia da Covid-19 impôs durante seus anos centrais e “da complexidade própria de trabalhar com Cuba quanto a comunicações e compras”, aponta Viera Núñez. “É um projeto que, por todas suas características, é muito positivo que seja levado a termo dessa boa maneira e vale a pena destacá-lo. Cuba tem cooperação internacional, principalmente da UE, mas em geral dentro da região fica relegada com respeito a países como o Haiti ou nações da América Central”, sublinha.
Investir em biodiversidade para garantir a produção de alimentos
A agricultura é responsável por 70% da perda de biodiversidade do planeta, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Esta situação é mais grave nos países em vias de desenvolvimento, onde o setor põe em perigo 72% das espécies de flora e fauna. As consequências são mais dramáticas onde predomina o monocultivo. Neste contexto, o programa do campo ao prato, promovido pela Alemanha, trabalhou na Costa Rica e na República Dominicana entre 2018 e 2022 para incluir critérios de conservação da biodiversidade no cultivo da banana e do abacaxi. “Investir na biodiversidade é investir em nosso capital natural, na produção alimentícia. É o essencial se queremos ter produção de alimentos a longo prazo para todo o mundo. Temos de investir na biodiversidade, não há outra forma”, defende a diretora do projeto, Svenja Paulino, em entrevista com Somos Ibero-América.
A banana e o abacaxi são os principais produtos agrícolas de exportação da Costa Rica e, em total, ocupam quase 90.000 hectares do território. Na República Dominicana, ao redor de 49% da superfície do país é utilizado para a agricultura. “Tínhamos enlaces entre os dois países e pensamos em fazer um projeto para elaborar um modelo nestes dois setores que são complexos, o da banana e o do abacaxi”, detalha Paulino. A Costa Rica e a República Dominicana ofereciam a oportunidade de analisar e testar dois cenários diferentes. “Na Costa Rica abundam as grandes plantações, o monocultivo, as grandes empresas, enquanto na República Dominicana há mais pequenos produtores e produção orgânica. Por isso buscamos estimular o intercâmbio entre ambos os países”, descreve.
O projeto foi executado em uma superfície de produção total de 23.866 hectares em 24 fazendas da Costa Rica e da República Dominicana, oito das quais contam agora com um plano de ação firmado em favor da biodiversidade. As organizações Rainforest Alliance e FairTrade Smallholder modificaram seus critérios para incluir a biodiversidade, a partir desta cooperação. Do campo ao prato também capacitou 34 instituições no uso da ferramenta Biodiversity Check Agrícola, que analisa os efeitos diretos e indiretos de uma exploração agrícola sobre a biodiversidade e descobre outros vínculos ao respeito. No balanço do programa ocupa um lugar destacado a campanha de conscientização: trabalhou para sensibilizar 92 pequenos produtores e 52 colaboradores de empresas agrícolas na gestão responsável da biodiversidade. “Tudo o que estamos fazendo contribui à segurança alimentar, já que a produção de alimentos depende da saúde dos ecossistemas. Nosso labor também é fazer visível a dependência que os produtores dos ecossistemas têm”, indica Paulino. Uma das máximas desta cooperação foi incluir todos os atores chave, incluídas as empresas privadas. “Nunca vamos alcançar nossas metas se não incorporamos todos, nosso objetivo é sempre traçar alianças entre todos”, destaca a diretora. Neste projeto, colaboraram com proprietários e gerentes de plantações, organizações de padrões e certificações de qualidade e sustentabilidade, exportadores, importadores e comerciantes, centros de ensino agrícola, assim como consumidores finais.