O que acontece quando ciência, tecnologia e cooperação se juntam?

O programa CYTED é o mais veterano da cooperação ibero-americana. Ao longo de quase 40 anos apoiou o desenvolvimento da “ciência ibero-americana” em setores estratégicos como agro alimentação, saúde, mudança climática, energias sustentáveis, desenvolvimento industrial e tecnologia.

O que tem em comum a recuperação de metais presentes em resíduos industriais com um novo tipo de hortaliças capazes de reduzir o risco de doenças? Em que se parece um biopesticida feito a partir de insetos a um exoesqueleto para pessoas com limitações de movimento? O que têm a ver os sistemas térmicos de geração elétrica com o aproveitamento de resíduos produzidos pela atividade florestal ou o uso sustentável dos recursos marinhos?

Por muito disparatadas que possam parecer estas comparações, estes projetos, realmente, têm coisas em comum. Todos têm impacto na vida das pessoas, no meio ambiente ou representam um valor acrescentado para a indústria. Todos são projetos de “ciência ibero-americana” que desmontam a ideia de que a ciência e a tecnologia somente são produzidas nas economias desenvolvidas.

O CYTED apoia projetos e redes de pesquisa para dar resposta a necessidades concretas e em setores estratégicos para nossos países.

Estes projetos são resultado do trabalho em rede de pesquisadores de diferentes disciplinas e países que se encontram sob o guarda-chuva do Programa Ibero-americano de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento (CYTED), que na última década reuniu mais de 25.000 pesquisadores e 983 empresas dos 21 países que conformam este programa.

Os projetos antes mencionados, junto com outras iniciativas impulsionadas pelo CYTED explicam o imenso potencial de combinar ciência, tecnologia, cooperação e trabalho em rede.

CYTED e a ciência ibero-americana

O programa CYTED surge em 1984 como resultado das Cúpulas Ibero-americanas para promover o intercâmbio de conhecimento em ciência, tecnologia e inovação.  Quase quatro décadas depois, o CYTED é um instrumento comum de cooperação dos sistemas de ciência e tecnologia, fomenta a inovação e promove a transferência de conhecimento desde a academia ao setor produtivo e à sociedade.

O CYTED financia projetos estratégicos e redes de pesquisa que respondem a necessidades concretas dos países, permitindo resultados que “seriam impensáveis sem o intercâmbio e as sinergias entre grupos de cientistas e pesquisadores que trabalham problemáticas comuns, desde perspectivas diversas”, explicam desde o programa.

Ao longo dos últimos anos o Cyted financiou mais de 500 redes de ciência e pesquisa em diferentes áreas de conhecimento.

Os países ibero-americanos têm diversas capacidades científicas, tecnológicas e de inovação, assim como distintas possibilidades de investimento e níveis de desenvolvimento. Portanto, a cooperação ibero-americana permite aproveitar sinergias e complementariedades, assim como o uso compartilhado de capacidades e infraestruturas científicas e tecnológicas entre diferentes países, assinala o responsável do Espaço Ibero-americano do Conhecimento Félix García Lausín.

A cientista chilena Carmen Saénz resume isso muito bem: “juntar países que têm mais desenvolvimento com outros que têm menos, puxa para cima os que têm menos”.

Coincide com o cientista cubano Juan Mario Martínez: “Não concebo um desenvolvimento da ciência ibero-americana sem um instrumento como o Cyted, já que é um programa que, em termos de participação, nos iguala a todos”.

Redes de pesquisa

Um dos aportes mais importantes do programa durante os últimos 25 anos é a criação, promoção e financiamento de redes de pesquisa, desenvolvimento e inovação, integradas por cientistas de distintos países e disciplinas que se associam para desenvolver conhecimento em áreas tão estratégicas como saúde, agro alimentação, desenvolvimento industrial, desenvolvimento sustentável, energias renováveis, TICs ou ciência e sociedade. Estas temáticas coincidem com os setores prioritários do programa.

“Uma das melhores demonstrações do valor das redes é que podem ser encontrados casos exitosos de mudança em regiões e ecossistemas completamente diferentes dentro da Ibero-América. É nestes casos específicos onde vemos como as ideias compartilhadas geram soluções locais”, explica o ex-diretor do CYTED, o uruguaio Alberto Majó.

Atualmente existem 90 redes de pesquisa ativas, 9 projetos estratégicos e 1.515 grupos de pesquisadores(as) onde participam 6.505 pesquisadores(as).  Um terço dos responsáveis de redes, projetos e grupos de pesquisa que participaram no CYTED na última década são mulheres, sendo Paraguai (48%), Cuba (47%) Portugal (45%) e Venezuela (42%) os países líderes em participação feminina, segundo dados proporcionados pelo programa.

Um terço dos responsáveis de redes, projetos e grupos de pesquisa que participaram no CYTED na última década são mulheres

Um exemplo claro da importância do trabalho impulsionado pelo CYTED se viu durante a pandemia, com a ação da COVIRed, que permitiu o diagnóstico do SARS-CoV-2 e suas mutações, assim como conhecer aspectos clínicos para o tratamento e prevenção da COVID.

Isto foi possível graças à experiência prévia de redes científicas que a antecederam como RIVE (2004-2005) e VIRORED (2009-2019), dedicadas à pesquisa de patógenos como hantavírus, arenavírus, H1N1, dengue, vírus respiratórios, Zika ou Chikungunya. Contar com estas estruturas, previamente, permitiu articular durante 2020 uma resposta mais rápida e coordenada à pandemia na Ibero-América.

Por outro lado, a área de incubadora de base tecnológica do CYTED promove a colaboração e a inovação desde universidades ou centros de pesquisa para as empresas, facilitando o acesso a fundos internacionais e novas tecnologias a empreendedores, p&mes e startups tecnológicas.  Tudo isso com o objetivo de impulsionar a competitividade das indústrias e a promoção de mais empreendimentos intensivos em conhecimento.

Oportunidades abertas

Até o próximo dia 21 de maio o CYTED mantém aberta a convocatória para financiar redes temáticas, que são associações de grupos de I+D de entidades públicas ou privadas e empresas dos 21 países membros do programa, nas áreas de agro alimentação, saúde, desenvolvimento industrial, desenvolvimento sustentável, TICs, ciência e sociedade.

O Cyted também destina esforços para apoiar o empreendimento científico-tecnológico, através do projeto IBEROEKA, que oferece uma certificação para projetos de empresas com participação de, ao menos, dois países ibero-americanos, o que representa um selo de qualidade que abre um acesso prioritário a financiamento nos países membros do CYTED. O selo IBEROEKA, cuja convocatória está aberta de forma permanente, favorece empresas e p&mes na busca do desenvolvimento de novos produtos, processos ou serviços com impacto nos setores produtivos e a competitividade.

A convocatória do CYTED está aberta para financiar redes temáticas de pesquisa e projetos estratégicos

Adicionalmente, o CYTED também conta com um programa de bolsas para empreendedores destinado a empresas em período de incubação que estão dentro de parques científicos tecnológicos. O objetivo é que acessem a novos mercados e possam desenvolver seu negócio a escala internacional em um ou mais países membros do programa.

A do CYTED é uma história de êxito que continua a ser escrita depois de quase quatro décadas, graças à contribuição de grandes mentes da ciência ibero-americana e a um compromisso político dos países.

O fato de que um programa das características do CYTED se mantenha e cresça depois de tanto tempo representa uma aposta da Ibero-América pelo conhecimento em um contexto especialmente desafiante.  Estamos em um momento em que, como adverte a cientista mexicana Salma Jalife, “a Ibero-América tem o potencial, a criatividade e a oportunidade de inovar para produzir localmente o que hoje consumimos internacionalmente”.

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Cientistas e gestores de área do Programa CYTED explicam porque é que o trabalho em rede e a partilha de conhecimentos são hoje essenciais para a Ibero-América