Uma tese doutoral é escrita em quéchua, pela primeira vez na universidade peruana

A professora Rosa Quispe defendeu sua tese doutoral em linguística, que versava sobre um poemário do escritor cusquenho Andrés Alencastre.

Uma tese doutoral é escrita em quéchua, pela primeira vez na universidade peruana
Rosa Quispe

No Peru existem 48 línguas originárias. Destas, a que tem maior quantidade de falantes é o quéchua, que em 2017 contava com 3,8 milhões de cidadãos que a usavam, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Informática do Peru.

Por tal razão, quando a professora universitária Rosa Quispe pensou em fazer a sua tese doutoral sobre Yawar Para, o terceiro poemário do escritor cusquenho Andrés Alencastre, composto por harawis ou textos líricos andinos, pensou imediatamente em fazê-lo em idioma quéchua.

“O quéchua felizmente segue vivo graças ao fato de o falarmos, mas é necessário avançar mais, dar o salto à escritura”

        Lírica andina

O trabalho de Quispe foi intitulado “Yawar Para, Kilku Warak’aq, Andrés Alencastre Gutiérrezpa harawin pachapi, Qosqomanta runasimipi harawi t’ikrachisqa, ch’ullanchasqa kayninpi”.

Isto pode se traduzir como: “Yawar Para (Pranto de Sangue), transfiguração e singularidade no mundo poético quéchua do harawi cusquenho de Andrés Alencastre Gutiérrez, Kilku Warak’aq”.

Quispe estudava um mestrado em linguística, além de contar já com uma pós-graduação em gerência da educação da Universidade San Antonio Abad em Cusco.

Nascida na localidade de Acomayo, uma das províncias altas de Cusco, esta professora considera um privilégio que ela e seu pai tenham nascido em comunidades que falam quéchua.

Todas as línguas originárias faladas no Peru têm seus próprios legados de saberes, pelo quê, podem e devem participar na vida científica e acadêmica”, diz.

O quéchua felizmente segue vivo graças ao fato de o falarmos, mas é necessário avançar mais, dar o salto à escritura: não há um uso decidido do quéchua para produzir e difundir um conhecimento adequado a estes tempos”.

        Um ato simbólico

O ato de defesa da tese na Faculdade de Letras foi muito diferente dos que habitualmente se realizam na Universidade Nacional Maior de San Marcos, em Lima.

As mesas do tribunal foram adornadas para a ocasião com mantas andinas; a presidenta do jurado, a professora Isabel Gálvez, conduziu o evento em quéchua; e a pesquisadora fez um pagamento ou agradecimento à terra antes de começar sua dissertação.

Quispe segurou folhas de coca em sua mão, cumprimentou em quéchua os apus ou deuses dos quatro pontos cardeais e depois envolveu flores e as folhas de coca em um pequeno manto e o colocou sobre sua tese.