Energia, indígenas e cooperação no Equador

Energia, indígenas e cooperação no Equador
Los ODS tienen en la desarrollo sostenible del medio ambiente uno de sus principales propósitos. Fotografía: Geoff Gallice, Wikipedia Commons.

O acesso à eletricidade considera-se um dos desafios na nova Agenda do Desenvolvimento. Os sistemas descentralizados com energias renováveis foram amplamente utilizados no campo dos projetos de eletrificação rural isolada promovidos pela cooperação internacional em diferentes países e contextos. No entanto, os potenciais destas alternativas tecnológicas sustentam-se desde visões do desenvolvimento diferentes e, em ocasiões, em conflito. Estas visões, determinam a quem e como beneficiam os projetos de eletrificação rural impulsionados pela cooperação ao desenvolvimento, permeados por uma multiplicidade de relações de poder que não só favorecem a imposição de determinadas visões, senão que limitam o acesso equitativo às oportunidades que é capaz de oferecer a eletrificação.

Equador assinala-se como um caso representativo no que diz respeito às propostas de transformação social que questionam a visão de desenvolvimento hegemônica e a da própria cooperação. Propostas que, baseadas na cosmovisão indígena e articuladas ao redor do Buen Vivir, reivindicam novas maneiras de conceber os projetos energéticos. No entanto, são escassas as referências à eletrificação rural isolada e a como desenhar projetos de eletrificação adaptados às noções do desenvolvimento e/ou Buen Vivir das das populações indígenas amazônicas. Com a finalidade de arrojar luz sobre estas questões, esta pesquisa tem três objetivos. Por um lado, explorar as visões do desenvolvimento dos atores supra-locais (instituições nacionais e internacionais) e os atores locais (comunidades indígenas amazônicas) da cooperação internacional e sua visão de como a eletrificação pode contribuir ao desenvolvimento dos atores locais. Por outro lado, explorar como as dinâmicas de poder determinam que visões do desenvolvimento e da energia prevaleçam, através de quê mecanismos e em quê espaços e níveis. E, finalmente, propor estratégias para o desenho de projetos de eletrificação rural isolada que estas dinâmicas de poder enfrentam.

Para abordar estes objetivos, construímos um marco analítico sustentado em uma aproximação multi-nível e dinâmica do Enfoque de Capacidades para o Desenvolvimento Humano e utilizamos também as colaborações dos enfoques de poder como estratégia para a transformação social. Aplicamos este marco interpretativo à análise de um projeto de eletrificação rural isolada com energias renováveis no Equador. Trabalhamos em cinco comunidades indígenas: três comunidades Achuar localizada na Amazônia Centro e uma comunidade Kichwa Amazônica e outra Siona localizada na Amazônia Norte. Durante toda a pesquisa aplicamos um enfoque etnográfico como integrantes da equipe do projeto. Seguimos uma metodologia de pesquisa qualitativa com um enfoque participativo.

Dos resultados se desprende, como desde as comunidades indígenas amazônicas emergem, algumas visões encontradas do desenvolvimento e da eletrificação que estão modeladas por um fator de conversão meio ambiental chave: a presença de atividades extrativas no território. Enquanto as comunidades localizadas em zonas petroleiras aspiram em contar com sistemas energéticos que possam abastecer suas novas lógicas de consumo, mas que ao mesmo tempo, sejam meio ambientalmente sustentáveis, para as comunidades onde não existe ainda intervenção petroleira, a eletrificação pode apresentar, mais além, um mecanismo para enfrentar o extrativismo e defender uma visão do Buen Vivir cujo eixo vertebrador é a natureza. No entanto, os instrumentos de poder próprios da lógica gerencial da cooperação ao desenvolvimento ajudam a cooptar as visões alternativas e maquiam-na para que continuem promovendo uma visão hegemônica do desenvolvimento assentada no crescimento econômico. Uma visão que se assenta no extrativismo, onde a energia é entendida como um mecanismo para a geração de divisas.

A pesquisa põe de manifesto, portanto, a necessidade de conhecer o quê as pessoas e os coletivos valorizam no momento de desenhar projetos de eletrificação adaptados a suas diferentes realidades e que, ao mesmo tempo, enfrentem as desigualdades de poder. Para isso, propõem-se estratégias que colocam o foco nas pessoas e que deve-se considerar em quê medida e sob quê cenários as distintas alternativas energéticas são adequadas para os diferentes coletivos sociais e seu entorno. A tese convida assim a aprofundar sobre a pluralidade de valores que permeiam as relações energia-sociedade e em como os projetos de eletrificação rural isolada podem se converter em elementos para a transformação social.

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