Uma rede ibero-americana de cientistas sai em defesa das abelhas para salvar colmeias na América Latina

Uma aliança com mais de cem pesquisadores trabalha para frear o desaparecimento das abelhas, insetos cruciais para a alimentação e os ecossistemas. Do laboratório ao campo, os especialistas buscam soluções concretas diante das mudanças climáticas, dos pesticidas e das práticas agrícolas nocivas.

Uma rede ibero-americana de cientistas sai em defesa das abelhas para salvar colmeias na América Latina

As populações de abelhas estão desaparecendo em ritmo alarmante no mundo. Só na América Latina, perde-se em média 30% das colmeias a cada ano. E, em alguns países da região, essas perdas chegam a 50%. Diante dessa emergência ecológica, a rede Colmena do Programa Ibero-americano de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento (CYTED) — com apoio da Secretaria-Geral Ibero-americana (SEGIB) — impulsiona pesquisas em microbiologia, comportamento animal, toxicologia e biodiversidade. A rede, que reúne mais de cem pesquisadores de universidades e institutos ibero-americanos, trabalha em colaboração com a Sociedade Latino-americana de Pesquisa em Abelhas (Solatina) para estudar por que os insetos polinizadores produtores de mel estão desaparecendo e como reverter essa situação.

“As abelhas melíferas — as mais comuns no mundo, conhecidas como europeias ou domésticas — e as nativas estão em retrocesso, o que reflete o impacto das mudanças climáticas e das nossas próprias atividades”, explica a cientista Karina Antúnez, referência da Solatina e do Laboratório de Microbiologia e Saúde das Abelhas do Instituto de Pesquisas Biológicas Clemente Estable (IIBCE) do Uruguai. Entre as causas, ela aponta o desmatamento, o uso de pesticidas e as práticas agrícolas prejudiciais.

No início do século, enquanto Estados Unidos e Europa emitiam alertas sobre o colapso das colmeias, na América Latina o fenômeno passava despercebido. Não porque não ocorresse, mas porque ninguém o estudava a fundo. Isso mudou quando um grupo de pesquisadores começou a percorrer o território, observar as colmeias e documentar o declínio. “Constatamos uma perda tremenda, pela importância que as abelhas têm na polinização, na reprodução das plantas, na agricultura e no funcionamento dos ecossistemas”, resume Antúnez.

A cada ano, a América Latina perde em média 30% de suas colmeias. Em alguns países, o número chega a 50%.

A rede Colmena reúne especialistas de 14 países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, Espanha, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela, segundo o CYTED. Seu campo de atuação abrange a apicultura — a criação de abelhas e a produção de mel, cera, própolis ou pólen — e a meliponicultura, voltada a espécies sem ferrão. Um questionário elaborado pela rede permitiu mapear em toda a região o estado das colmeias, os níveis de perda, práticas aplicadas e fatores de risco. Essas informações alimentam bancos de dados comparáveis entre os países. “Sem diagnóstico comum, não há intervenção eficaz”, adverte a pesquisadora, que destaca a abordagem multidisciplinar: “Microbiologistas, ecólogos, especialistas em comportamento ou polinização: todos contribuem com peças para entender esse fenômeno multifatorial”.

Segundo o CYTED, o grande desafio é transformar esse conhecimento científico em políticas públicas, regulamentações eficazes sobre agrotóxicos e modelos agrícolas que integrem as abelhas como aliadas e não como vítimas colaterais. Algumas iniciativas locais, como os corredores polinizadores ou a promoção de práticas agroecológicas, já demonstram resultados positivos, assegura a organização.

O laboratório como ensaio da colmeia

Compreender por que as abelhas estão desaparecendo implica reproduzir em laboratório, em condições controladas, o que elas enfrentam no campo. Os pesquisadores desenvolveram um modelo experimental que começa com quadros de criação trazidos de zonas rurais. “Os ovos são acondicionados para que continuem viáveis e são colocados em caixas plásticas que simulam uma colmeia. As larvas são alimentadas artificialmente até completar seu desenvolvimento”, explica Antúnez. Isso permite ensaios precisos: por exemplo, um grupo é exposto a um pesticida específico e mede-se seu efeito no crescimento, comportamento ou saúde intestinal. Também se fazem experimentos com abelhas adultas: elas são coletadas, anestesiadas com frio — para evitar dor ou danos — e submetidas a diferentes estressores. Depois, analisam-se alterações na microbiota intestinal, que influencia seu sistema imune, nutrição e conduta.

As abelhas tornaram-se, assim, modelos de estudo em neurociência, etologia e biologia evolutiva. “São uma janela fascinante para investigar desde a cognição até doenças infecciosas”, afirma a cientista. “As abelhas nos ensinam que nenhum indivíduo sobrevive sozinho. Tudo o que fazem, fazem pelo bem da colmeia. E aí há uma lição também para os humanos: se não cuidarmos do nosso entorno e não cooperarmos como espécie, nossa sobrevivência também estará em risco.”

Sem abelhas, a América Latina arrisca perder até 25% de sua produção agrícola

A crise das abelhas não é apenas uma questão ambiental. Segundo a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), mais de 75% das culturas alimentares do mundo dependem, ao menos em parte, da polinização — o processo de transferência do pólen que permite a fecundação e a produção de sementes e frutos, essencial para a reprodução de muitas plantas e para a biodiversidade. Seu desaparecimento implicaria uma queda direta na disponibilidade de alimentos, os ecossistemas perderiam seu equilíbrio, e muitas plantas silvestres deixariam de se reproduzir. E a América Latina perderia entre 2% e 25% de sua produção agrícola, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

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