Até 2023, obter o certificado de deficiência na Costa Rica podia demorar mais de um ano. Conseguir esse “papel”, indispensável para acessar saúde, educação, emprego e transporte adaptado, era alvo de uma burocracia lenta e arbitrária. Hoje, o país conseguiu reduzir significativamente esses prazos graças a um modelo impulsionado pelo Programa Ibero-americano de Deficiência.
Os dados comprovam o quanto o sistema avançou: enquanto em 2021 foram emitidas 4.582 certificações, em 2024 o número superou as 13.200. A mudança foi possível com um novo sistema de gestão que otimizou recursos de digitalização sem afetar direitos individuais.
Em 2020, o sistema foi agravado pela crise sanitária provocada pela pandemia e, em meados de 2023, acumulava mais de 10.000 trâmites pendentes, entre solicitações e renovações, segundo dados do Conselho Nacional de Pessoas com Deficiência (CONAPDIS), organismo adscrito ao Ministério de Trabalho e Seguridade Social da Costa Rica.
“Havia pessoas esperando até mais de um ano para obter a certificação”, recorda Ana Leonor Sanabria, diretora técnica do CONAPDIS e profissional especializada em direitos humanos e deficiência. “Sem essa documentação, portas se fechavam para o acesso a uma vida plena: emprego, moradia, educação, saúde, cultura, lazer e transporte público…”. Para resolver o problema, a diretora executiva do órgão, Bilbia González Ulate, liderou um plano de “medidas excepcionais” que transformou o sistema. Por um lado, foram aprovadas prorrogações automáticas dos certificados por 10 anos para cerca de 6.500 pessoas, o que liberou capacidade administrativa imediata; todos os trâmites e prontuários foram integralmente digitalizados, e também foi ativada a interoperabilidade com o Prontuário Digital Único em Saúde (EDUS).
A certificação de pessoas com deficiência triplicou nos últimos três anos.
A mudança permitiu verificar diagnósticos médicos em tempo real, evitando duplicações de tarefas e reduzindo os tempos de espera. Paralelamente, reforçou-se a equipe de certificação com uma abordagem interdisciplinar, da qual participam médicos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, psicólogos. “Assim foi possível simplificar os trâmites e reduzir significativamente os tempos de espera”, destaca Sanabria. Atualmente, novas solicitações de certificações oficiais são processadas em média em dois meses. Dessa forma, a Costa Rica passou por uma transformação administrativa, mas também por uma mudança cultural. Nas palavras de Sanabria, a diretora técnica do CONAPDIS, a burocracia passou a estar a serviço da cidadania, em vez de ser um obstáculo.
Certificar para integrar a Ibero-América
O modelo costarriquenho faz parte de uma estratégia regional coordenada pelo Programa Ibero-americano sobre Deficiência, lançado na XXVI Cúpula Ibero-americana para promover políticas inclusivas. Por meio dessa iniciativa, que conta com o apoio da Secretaria-Geral Ibero-americana (SEGIB), a Costa Rica recebeu assessoria técnica, ferramentas digitais e oportunidades de articulação com outros países. “Sem essa cooperação, não teríamos chegado tão longe”, afirma Sanabria. O intercâmbio de experiências nessa área tem sido essencial na região onde vivem cerca de 90 milhões de pessoas com deficiência — 15% da população ibero-americana, segundo dados do Banco Mundial, da Comissão Europeia e da CEPAL.
O objetivo final não é apenas reconhecer uma condição, mas transformar vidas, com resultados concretos, insiste Sanabria, e menciona casos concretos por trás dos números: uma moradora de San José, capital da Costa Rica, para quem obter a certificação de deficiência antes era um trâmite demorado e interminável, e hoje comemora que o processo seja online, rápido e acessível; um usuário de cadeira de rodas que renovou automaticamente sua carteira sem perder os benefícios de transporte e tratamento médico; uma mãe que fez o trâmite de seu filho menor de casa, sem precisar faltar ao trabalho. Segundo a especialista, “essas histórias mostram como a mudança estrutural se traduz em autonomia e acesso real a direitos”.
O desafio: colocar a burocracia a serviço da cidadania
Embora grande parte do sistema de certificação de deficiência na Costa Rica já seja digital, a transição total ainda está em andamento para eliminar completamente o uso de papel e reduzir ainda mais os tempos de tramitação. A previsão é que até o final de 2025 todo o sistema esteja digitalizado. O desafio, diz Sanabria, é avançar rumo a um país e uma região plenamente acessíveis: “Porque trabalhar, estudar, se deslocar com dignidade é um direito, não um privilégio”. E conclui com uma frase que resume o espírito da mudança de modelo em seu país: “Nada sobre as pessoas com deficiência sem as pessoas com deficiência”.