Campos é a Secretária Técnica de Ibercozinhas, um dos últimos programas de cooperação ibero-americana que nasceu à luz do boom da gastronomia e que pretende não se esquecer das origens da cozinha ibero-americana.
“Estamos somente entrando em acordo, vai ser interessante o modo em que intermediamos os interesses do programa para que todos os países se sintam parte”, adianta a mexicana.
E apesar de o programa ter muito trabalho por diante, sabe bem que a atividade deve ter muito presente as comunidades indígenas da região e as mulheres.
“Temos mais de 245 povos indígenas na América Latina, é muito importante que eles também tenham voz, não só os governos, os governos devem ser facilitadores”, partilha.
Temos mais de 245 povos indígenas na América Latina, é muito importante que eles também tenham voz
Consciente dos perigos que implica abrir as tradições das comunidades indígenas ao resto do mundo –“vemos como um prato vira moda, se encarece e as próprias comunidades não podem mais comê-lo”- assegura que a aproximação do programa às pessoas indígenas não se fará de modo “folclórico”.
Assim, aponta que essa aproximação não será “com intenção de tomar o que é chamativo nem folclórico e criar cozinha a que virá”: “há pratos de 100 euros e o produtor recebe 20 centavos”, queixa-se.
“A ideia é que haja um repartimento equitativo do ingresso e do reconhecimento”, resume.
Campos tem certeza de que “se seguimos com a proposta de quer a gastronomia está por cima da cozinha, vamos criar mais desigualdade” e nesse sentido pede que sejam tidas em consideração aquelas que foram e são as grandes protagonistas da cozinha, as mulheres.
“São cultura viva”, assevera, das quais explica que seus conhecimentos não são “só herança” de suas mães e avós, senão que estas “são mulheres que têm saberes e métodos próprios e são críticas para com eles, a fim de melhorá-los”.
Assim, pretende que as instituições e os governos reconheçam o labor das mulheres em um mundo no qual elas também estão invisibilizadas e onde os grandes nomes quase sempre correspondem aos homens.
“Este programa tem todas as ferramentas e todo o poder de difusão para dar valor às cozinheiras”, diz sobre o Ibercozinhas, desde onde quer dar “reconhecimento a todas as mulheres, não só a umas quantas, senão a todas as que tenham propostas”.
Mas não pretende ficar no reconhecimento, senão que quer que o Ibercozinhas melhore a vida de muitas mulheres da região, as quais cozinhando, sofrem enfermidades.
“A cozinha com lenha é muito saborosa, porém a fumaça causa enfermidades, câncer de garganta, mas se o gás é instalado, queixam-se porque não tem o mesmo sabor, há de se buscar estratégias de inovação locais” para resolver este tipo de situações, insiste.
Inovações que também vê necessário usar para paliar outra das grandes preocupações meio ambientais do planeta, o consumo de plástico de um só uso: “Podemos buscar una forma, como folhas de milho, de bananeira…fazer pratos e copos, mas de uma maneira que conserve a qualidade e fazê-lo desde o que é local, que possa ser difundido em todo o programa e que quem o fizer seja reconhecido”, agrega.
E é que um dos grandes desafios que o Ibercozinhas tem pela frente é equilibrar a balança entre produtores e chefs, para que o repartimento dos benefícios seja mais equitativo do que é atualmente.
“Há chefs e gastrônomos conscientes de que, sem saberes tradicionais, suas propostas não seriam nada. Nossa parte é fazê-los dialogar, sem impor, mas sim dizer que, se não se reconhecer o produtor de cacau, não vai haver um cacau como aquele que o consumidor vai exigir e é onde vai se perder”, exemplifica.
Por isso o objetivo é “construir alternativas” para “criar terrenos de comercialização mais justos”. “E nisso estamos”, celebra.
Ibercozinhas e o concurso “Sabor a Ibero-América”
O concurso “Sabor a Ibero-América”organizado por a Secretaria-Geral Ibero-americana (SEGIB), os programas de cooperação IberCultura Viva e IBER-ROTAS e a iniciativa Ibercozinhas, premiou dez receitas culinárias tradicionais que distintas comunidades migrantes da região aportaram a seus países de acolhimento.