Quantas crianças em idade escolar sabem que uma mulher protagonizou uma das maiores gestas sanitárias da história? Isabel Zendal foi a primeira enfermeira em uma missão humanitária internacional e sua presença foi decisiva para que a imunização contra a varíola chegasse à América através de 22 crianças órfãs em cujos corpos estava inoculada a vacina.
Isabel Zendal foi a única mulher a bordo da Real Expedição Filantrópica da Vacina (1803-1810) dirigida pelos médicos Francisco Javier Balmis e José Salvany que durante sete anos realizou a primeira campanha de vacinação global da história, a qual foi crucial para a erradicação desta epidemia.
Quantas crianças e adultos ibero-americanos sabem que Elena de Céspedes (1546-1588) foi a primeira mulher da história da Europa considerada oficialmente cirurgião? Também conhecida como “Céspedes” Elena ou Eleno viveu como homem e se converteu em um reconhecido cirurgião, cuja vida foi truncada pela inveja de seus companheiros de profissão e os julgamentos da época.
Quantas crianças em idade escolar são conscientes de que, no México do século XIX, os doentes de febre amarela eram tratados em suas casas, porque os hospitais não davam conta? Quantos sabem que o Brasil enfrentou a pior pandemia de meningite de sua história durante a década de 1970?
Estes são alguns exemplos de fatos e personagens históricos que voltarão à vida para nos ensinar como a humanidade enfrentou com engenho, coragem e meios muito precários graves epidemias como a varíola, a febre amarela ou a peste, males que hoje são recordados como “doenças do passado” que têm muito a nos ensinar hoje.
Inovação na cooperação arquivística
Com base em documentos históricos digitalizados provenientes dos países ibero-americanos, o projeto “Na pele de nossos antepassados” do programa de cooperação Iberarquivos explica como outras pandemias foram afrontadas e superadas através da história.
O Iberarquivos criou um microsite em espanhol e português, que conta com materiais adaptados para crianças de entre 9 e 12 anos, assim como recursos descarregáveis, jogos, propostas educativas divididas em quatro unidades didáticas que abordam:
- Importância e utilidade dos arquivos na sociedade
- Valor dos tratamentos tradicionais na cura das doenças
- Participação histórica das mulheres na luta contra as doenças
- Como são afrontadas e erradicadas outras epidemias ao longo da história para extrair lições que podem ser aplicadas no atual combate contra a COVID-19.
“Na pele de nossos antepassados” é uma das propostas selecionadas pela Secretaria-Geral Ibero-americana na convocatória realizada para apoiar os projetos de cooperação ibero-americana que, desde suas respectivas áreas, ofereceram respostas inovadoras perante a pandemia.
O programa de cooperação Iberarquivos prepararou um microsite bilíngue para crianças de entre 9 e 12 anos com recursos didáticos, jogos e materiais descarregáveis sobre como são superadas pandemias e doenças ao longo da história. Assim, buscam que as crianças e adultos possam afrontar a crise COVID-19 com uma perspectiva positiva
O microsite permite às crianças em idade escolar obter conhecimentos, em tom positivo, sobre as respostas ao longo da história a situações de doença, assim como desenvolver outras destrezas como melhora do vocabulário, capacidade dedutiva, trabalho colaborativo ou o uso de novas tecnologias na aula e na vida cotidiana.
Pensando naquelas áreas com limitado acesso à Internet ou baixa conectividade, o projeto contempla materiais descarregáveis que podem ser impressos e trabalhados na aula ou fora dela, atendendo também uma perspectiva multicultural e que porá em valor o papel destacado das mulheres na luta contra estas doenças, explicam desde a Unidade Técnica do Iberarquivos.
Olhar ao passado para assimilar o presente
Perante o impacto de uma pandemia global é comum cair no pessimismo e se perguntar como poderemos sair desta? Como pode estar sucedendo isto? É importante recordar que a humanidade combateu e superou outras crises similares.
Se esta crise mudou as vidas dos adultos, quanto mais significou para os mais jovens, que viram afetado o ritmo de sua educação, limitada sua liberdade de movimento, e tiveram de enfrentar emoções novas como o medo ao futuro ou a perda repentina de seres queridos.
Para enfrentar essas emoções desde uma perspectiva construtiva e de aprendizagem, “vale a pena olhar o passado e saber como outras gerações enfrentaram pandemias devastadoras e puderam seguir adiante”, explica Cristina Díaz, secretária técnica do Iberarquivos em entrevista com o Portal Somos Ibero-América.
“Queremos que as crianças saibam que a humanidade pôde sair de situações graves e enfermidades endêmicas e que entendam isso através de recursos pedagógicos que ajudem a assimilar a realidade com esperança”, explica Adriana Martín da Unidade Técnica do Iberarquivos.
Democratização dos arquivos
Este projeto representa um ponto de inflexão nas atividades que o Iberarquivos veio realizando para a “democratização” do acesso a estas fontes históricas, ao apontar a um público menos conhecedor dos arquivos: as crianças de educação primária.
Tradicionalmente, a ação dos arquivos tinha estado reservada às administrações, pesquisadores e acadêmicos, mas desde o Iberarquivos acreditam que a partir das crianças é possível estender o conhecimento dos arquivos e da história a toda a sociedade, conectando-as com uma realidade que impactou a todos nós, como é a pandemia da COVID-19.
Os arquivos são testemunhos que resistiram à passagem do tempo para encontrar em nosso passado lições que nos servem para afrontar melhor nosso presente”.
“O olhar histórico nos permite entender e assimilar a atualidade, porque a realidade que temos também é produto daqueles que nos precederam, explica Cristina Díaz do Iberarquivos.
A memória histórica e conhecer nosso passado nos permite também fazer valer direitos fundamentais e entender como avançamos e em quê podemos avançar mais”, concluem desde o Iberarquivos.