O caminho daqueles que lutam para visibilizar as doenças raras é amiúde solitário. Também não é uma rota isenta de decepções. Mas, principalmente, em ocasiões se converte, explica Yessenia Moreira Barboza, em uma batalha consigo mesma, na que de vez em quando deve-se parar e repensar as prioridades. Esta mulher, mãe de um pequeno de 9 anos, Samir, que nasceu com síndrome de Cornelia de Lange (SCdL), é uma líder. O são aqueles que, talvez sem serem conscientes disso, têm uma capacidade inata de comover, de mobilizar, de inspirar, criar vínculos e reconhecer que “juntos, em rede, somos mais fortes”.
Para Moreira, docente de profissão, o diagnóstico de Samir, foi o começo de uma viagem que a uniu a uma comunidade de famílias na Ibero-América que tentam a melhora, não só da informação sobre as doenças, senão também da formação acadêmica das pessoas que as tratam. Na Costa Rica, onde iniciou entre 2017 e 2018 Nosso mundo Cornelia de Lange, a primeira fundação desta doença no país, inspirando-se no exemplo da Espanha e dos Estados Unidos, estão identificados 20 casos de uma doença genética que afeta o desenvolvimento dos que a padecem e está presente desde o nascimento. Ela ficou sabendo quando os médicos viram o rosto de seu bebê; até então tinha tido “uma gravidez cheia de complicações e o diagnóstico foi quase um alívio. Ao menos sabia o que afrontava”, sublinha.
Lembra a docente que foram quatro mães de pequenos diagnosticados com a síndrome, aquelas que começaram este projeto alentadas por outras associações da doença fora da Costa Rica. O SCdL recebe o nome da pediatra holandesa Cornelia de Lange, que descreveu o transtorno pela primeira vez em 1933. As pessoas afetadas têm um fenótipo muito definido no que se distinguem as sobrancelhas unidas e um nariz pequeno. Além disso afeta o desenvolvimento físico e cognitivo. Estima-se que entre 1 de cada 10.000 e 1 de cada 30.000 indivíduos da população têm SCdL.
Visibilizando as doenças raras
A Aliança Ibero-americana de Doenças Raras – ALIBER é uma organização sem ânimo de lucro que coordena ações para fortalecer o movimento associativo, dar visibilidade às EERR (Enfermidades Raras), representar os afetados destas doenças perante organismos locais, nacionais e internacionais, criando espaços de colaboração para compartilhar conhecimentos, experiências e boas práticas nas áreas social, sanitária, educativa e laboral.
As doenças raras são muitas e as pessoas com estas doenças apresentam necessidades comuns; por isto a ALIBER se consolidou como uma Aliança que potencia a defesa de direitos, representando um coletivo de 47 milhões de afetados na Ibero-América, 42 milhões na América Latina e 6 milhões na América Central através das mais de 700 organizações que agremiam seus 47 sócios em 19 países.
Para cumprir este propósito, ALIBER tem como objetivos:
- Promover o reconhecimento das EERR como uma prioridade social, sanitária, educativa e laboral.
- Representar as pessoas com EERR e suas famílias e
- Empoderar seus associados através de processos educativos de alto impacto.
Para alcançar estes objetivos a ALIBER identificou várias necessidades:
- Estabelecer uma definição global de EERR, pois em vários países se denominam de forma distinta e não se adequam à definição europeia, onde se considera rara uma doença que afeta 1 de cada 2.000 pessoas.
- Criar um Marco Normativo comum que gere um sistema de proteção ao coletivo com EERR para gerar espaços de equidade em direitos.
- Viabilizar espaços de acesso a medicamentos e pesquisa sobre tratamentos.
Yessenia Moreira percebeu desde que lhe deram o diagnóstico de seu filho, pouco depois do parto, de que o vazio, o desconhecimento com respeito à doença, não está somente na sociedade, senão em todo o sistema de saúde. “Quando Samir nasceu, a resposta dos médicos foi negativa. Poderia apostar que este tipo de doenças geram mais medo e insegurança neles do que na família”, aponta. Enquanto os pequenos são tratados em pediatria por exemplo, “as coisas vão bem”, assinala, “mas quando cumprem os 15 anos, que é quando o sistema de saúde deixa de considerá-los pacientes pediátricos e passam aos hospitais normais, as coisas pioram. Não estão preparados”. Por isso, ela decidiu que tinha de começar a trabalhar para mudar isso, internacionalmente. O primeiro passo foi criar a primeira fundação dedicada a esta doença em seu país e se unir depois à Aliança ibero-americana de doenças raras (ALIBER), uma rede que aglutina mais de 600 organizações de pacientes com doenças raras e com presença em 16 países da Ibero-América.O organismo coordena ações para fortalecer o movimento associativo, dar visibilidade a tais doenças e representar as pessoas que as padecem na Ibero-América perante organismos locais, regionais, nacionais e internacionais. Sua aposta passa por criar um espaço de colaboração conjunta e permanente para compartilhar conhecimentos, experiências e boas práticas nas áreas social, sanitária, educativa e laboral. Algo que Yessenia considera fundamental para melhorar a qualidade de vida e tratamentos de pacientes de doenças raras como seu filho Samir.
“Começamos com muita entrega, mas percebemos de que havia muito por fazer”, lamenta. Durante a pandemia chegaram à conclusão de que deviam unificar associações de doenças raras também dentro do país, se queriam ser eficientes. Apesar de que na Costa Rica ao redor de 300.000 pessoas sofram o que se considera uma doença rara, não avançaram muito em legislação e melhoras no diagnóstico, conta Moreira. Unindo forças começaram a trabalhar para conseguir um projeto de lei na Assembleia Legislativa: “Prevenção e atenção integral da saúde das pessoas com doenças raras para melhorar sua qualidade de vida e a de suas famílias”, uma normativa que busca um avanço no fortalecimento das políticas públicas neste âmbito.
O trabalho com outras organizações da rede é um apoio para Moreira: “Quando [alguns pais nas organizações] me dizem que estão trabalhando há mais de 30 anos e que se despediram de seus filhos e continuam lutando… Admiro muito esse valor e me inspira para desenvolver este labor com humildade”, sublinha a docente.
Ela vê suas aspirações de forma realista. São pequenos , diz, e se apoiam na rede para aprender, sabendo que cada passo que dão é importante.“Quando as forças se unem, os desafios que se apresentam podem ser superados”. Explica que há realidades que golpeiam profundamente e aprendeu a medir os tempos. “Há de se saber quando parar e quando avançar”. Nestas semanas, por exemplo, a mãe de Samir está tomando um descanso. Seu filho está se recuperando de uma crise e ela necessita fazê-lo também. “Há momentos como este nos que a gente deve voltar à origem e se perguntar, ‘Por que cheguei até aqui?’ Devemos parar a pensar e renovar a intenção nos projetos”, resume. Porque todos chegam à sua rede por necessidade e para visibilizar e melhorar a vida dos que padecem doenças raras. Ela vê em suas diferenças, em sua diversidade, uma fortaleza na qual se apoiar. A partir daí, constrói em rede, por e para todos: “Minha formação, por exemplo, foi em Educação, e só agora, talvez, entendi por quê sou educadora: para empoderar as mulheres que estão na minha própria situação”.